Padre, eu pequei. Mas era tão linda as palavras que meu coração sussurrava baixinho dentro do peito, que não pude deixar de dar-lhe ouvido. Ele falava de coisas fantásticas que jamais poderia imaginar que pudessem existir. Mas existiam, estavam ali diante de meus olhos e não havia como ignorá-las.
Foi num domingo logo após o Natal e antes do feriado de Ano Novo. Na véspera do dia 25, eu havia levado minha família para Lafaiete, que dista 430 quilômetros da cidade que moramos, para passar as festas junto aos dois troncos familiares.
E como todo ano, entre o dia 25 e o dia 1º eu volto sozinho para Cruzeiro, pois tenho que dar continuidade ao meu trabalho na fábrica. Contudo, retorno depois para lá, afim de passar junto deles a entrada do Novo Ano. E foi justamente nesta minha viajem que fiz sozinho de Lafaiete para Cruzeiro, que aconteceu esta maravilha que me fez pecar.
Vinha em meu carro sozinho e completamente absorto por pensamentos negros remanescentes de uma depressão, que parece que mesmo que um dia consiga me curar, ainda assim ficará grandes seqüelas em meu interior.
Quando cheguei na pequenina cidade de São Brás do Suaçuí, o interior do meu carro foi inundado por uma musica, oriunda do alto falante colocado na torre central da Igreja.
Ao ouvir aquele som, olhei meu relógio e chequei o horário, eram 8 horas e 20 minutos. A partir daí, me veio uma vontade louca de entrar naquela Casa de Deus e rezar. E com esse pensamento, estacionei mais à frente, retirei o boné novinho que usava na viajem, e com ele na mão entrei no templo.
Duzentos e oitenta e seis anos me separava do dia em que ele tinha sido inaugurado. Com quatro altares laterais, porque uma cortina simples de filó esticado economicamente, isolava o altar mor que devia estar passando por consertos. Todos, em estilo barroco, construídos com madeiras entalhadas e uma pintura mais que envelhecida e original. Sentei-me no último banco e orei.
Mas para minha surpresa, enquanto ali orava junto a uma meia dúzia de pessoas, notei que o padre se preparava para começar a Santa Missa das 8 e meia, daquela manhã de domingo. E bastou começa-la, e mais umas trinta ou quarenta pessoas mais, chegaram para assisti-la. E aí padre, é que começou o meu pecado de fato.
No Sacrário estava o Cristo vivo, no altar lateral esquerdo estava a imagem de São Brás, Bispo e mártir da cidade de Sebaste, na Armênia. No centro, o pároco local começava celebrar a festa da Sagrada Família, e eu deixei que o meu pensamento se ocupasse de outras coisas, que nada tinha ver com aquela celebração.
Ele se ocupou de uma família de andorinhas que revoavam sem parar, de um lado para o outro, no teto da igreja. Ele se ocupou de ver que as pessoas daquela comunidade entravam naquela igreja, com aquelas roupas castigadas por centenas de lavagens, mas completamente limpas e bem passadas. Ele se ocupou de sentir em cada rosto que entrava, uma fé vibrante, como aquela que eu gostaria de ter. Ele se ocupou de ver no altar lateral direito, um presépio pobre, feito apenas com um pano ou papel pintado de preto, com as imagens símbolos, espalhadas por sobre ele. E ficou a imaginar que era mais fácil encontrar Deus naquele paupérrimo presépio, do que nos luxuosos, construídos em centros maiores.
E na hora da leitura do Evangelho as andorinhas se ouriçaram, talvez querendo nos mostrar que aquela Palavra, era para ser levada aos quatro cantos da terra. E vi velhos receberem outros velhos em seus bancos, como se fossem “velhos” amigos de infância. Pude ver também que cada pessoa que entrava no templo, quase que cumprimentava a todos dentro da igreja, imperava ali a humildade. Pude sentir que o fraco coral liderado por três moças, estava mais preocupado em louvar, do que mesmo cantar afinado ou com acompanhamento, e isto, só o engrandecia mais perante Deus.
Pude ver que na hora da Consagração as andorinhas se aquietaram todas e esperaram Ela acontecer, pelas mãos deste padre e a intercessão dos fieis que estavam presentes - que coisa maravilhosa não?. E paradoxalmente, pude sentir na hora da comunhão, quando elas voltaram a se agitar no teto, que talvez quisessem nos dizer que estava na hora de nos mexer-mos e irmos à comunhão. Ou... ou nos lembrar que a comunhão foi feita para os homens, mesmos limitados como são... ou ainda que, se Deus quisesse um estado de alma tão puro assim para comungar, só os anjos poderiam fazê-la.
Na minha frente tinha um menino sozinho, de mais ou menos oito anos de idade, de cor, com seu cabelo cortado por tesoura sem a ajuda de pente. E ele usando sua rota roupinha tão limpa e bem passada, comportou-se durante toda a Missa, como se fosse um adulto, mostrando quanto seus pais lhe haviam ensinado as coisas do Pai. Quando o cumprimentei para lhe desejar “A paz de Jesus”, peguei o meu boné e coloquei-o em sua cabeça. E ele num sorriso me transmitiu todo seu contentamento.
E... e... e padre, a missa acabou... e eu não havia rezado nem um Pai Nosso... nem uma simples Ave Maria, durante ela. Saí da Igreja, entrei no carro e continuei a minha viajem.
Só não entendo padre, porque mesmo tendo cometido este pecado de desatenção para com meu Deus, no restante da viajem, eu me senti tão bem de espírito e totalmente leve de pensamentos.
Mas contudo, mesmo sabendo da gravidade do pecado cometido e pedindo-lhe humildemente seu perdão, quero que saibas de uma coisa também muito séria. É que infelizmente eu não consigo me arrepender do pecado cometido