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Bondade...

Minha mãe era uma pessoa muito caridosa, foram inúmeras as vezes, que deixou indelevelmente escrito com suas obras, sua passagem por este mundo de Deus.
Certa vez, quando ainda eu era solteiro, a prefeitura designou uma turma de mais ou menos cinco ou seis funcionários, para efetuar o calçamento da rua onde morávamos. Nesta ocasião, residíamos na rua Sete de Setembro, no bairro do Rosário, na cidade de Conselheiro Lafaiete. Esta rua era muito íngreme, e nossa casa ficava no topo do morro, depois ela continuava quase plana, por mais ou menos uns setecentos metros.
Como todo mundo sabe, estes oficiais não são devidamente reconhecidos, pelos menos no que tange a salários, pelos órgãos públicos. Em sua maioria, ganham muito pouco e possuem famílias numerosas.
Eles, chegavam para trabalhar todo dia antes das sete horas da manhã, e todos sem exceção, traziam suas refeições em marmitas, que ficavam dentro de sacolas, penduradas nos portões das casas em frente ao local onde estavam trabalhando. Eles iniciaram seus trabalhos pelo morro e quando aproximava das dez horas, iam até às casas que ficavam ali por perto, e pediam para que fossem colocadas suas marmitas, no canto do fogão, porque enquanto a dona da casa ia fazendo seu almoço, o calor do fogão esquentava suas marmitas, desta maneira eles não precisavam comer comida fria ( nesta época, o comum ainda era o fogão à lenha).
Na minha casa, dois destes funcionários pediram para que minha mãe fizesse este favor à eles. E ela então, pegava as marmitas, destampava-as e pingava um pouquinho de água no arroz, e as colocava no canto de seu fogão. Ela fazia isto não por curiosidade, e sim segundo ela mesma, se deixasse a marmita esquentar tampada, corria o risco de azedar a comida. Só que ao fazer isto, ela via que nas tais marmitas, vinha só arroz e às vezes um pedaço de angu. E aquilo cortava o coração dela, que muitas vezes comentava comigo.
--- Olha aqui... só tem arroz... e estas raspas pretas da panela, que estão aqui no meio, parece que é feito de propósito pelas mulheres deles, para dar outro sabor ao arroz... coitados.
E enquanto fazia seu almoço, ela colocava alguma coisa que estava fazendo dentro das marmitas, um pedaço de carne, um pouco de verdura, um pouco de feijão, etc. e parece que eles gostavam disso, e até comentavam este fato entre eles, porque não durou mais que uns três dias, e todos passaram a deixar suas marmitas com ela. E quando eu chegava para almoçar, via o fogão todo estrelado de marmitas. Ela fritava um ovo para um, colocava uns torresmos para outro, um pouco de couve em outra, de forma que todas as marmitas saiam melhor do que quando chegavam. Sem contar as vezes, em que ela tinha que jogar fora o arroz que vinha dentro de algumas, porque já chegavam azedos, mas ela não falava nada. Agia como se só as esquentasse.
O certo é que, durante os setecentos metros de calçamento da rua, que durou mais de sessenta dias, ela cuidou destas marmitas diariamente. O calçamento foi desenvolvendo, e minha casa ia ficando cada dia mais longe do local de trabalho deles, mas suas marmitas ficavam lá em casa para serem aquecidas.
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